#3 - Resgate para Canadá.


#3 - Resgate para Canadá.
O AIS de Canadá pediu resgate via rádiofonia para uma gestante que estaria sangrando há 10 dias. E encontraríamos ainda uma bebê de 25 dias, com quadro de desnutrição severa, segundo o Tenente do PEF*, e que desceria de S. Joaquim até lá. Não havia nenhuma informação clínica mais detalhada. Tínhamos que “pagar para ver”. Saímos (médico, enfermeira e prático) meio dia, armamos as redes e pernoitamos em Nazaré. Numa casinha, uns 15 da comunidade se reuniam para assistir “Avenida Brasil” na TV. Outro dia cedinho, saímos, passamos a Malacacheta* e a corredeira de Tunuí, chegando final da tarde em Canadá.

A gestante havia abortado naquela manhã, estava repousada na rede, falava fraco e pouco. Foi difícil entendê-la resignada ou aliviada, triste ou quieta? Estava bem clinicamente, sem sangramento patológico ou sinais de infecção. Observaríamos, sem necessidade de descermos com ela.
A criança não viria mais porque o pai não deixou, apesar do desespero do militar. Recusaram o resgate. Soubemos depois que a mãe não amamentava o bebê porque seu leite estava envenenado, soubemos também que a criança acabou, mais tarde, sendo trazida para SGC pelos militares.

Fui convidado pra jogar bola. Era o final do campeonato e eu teria o gosto de jogar a “grande final”. O organizador logo se apresentou dizendo que era o professor da comunidade. Muito cívicos, talvez pela educação militar que receberam nas escolas estaduais, tinham uma caixa de som que tocava o hino nacional brasileiro enquanto nós jogadores estávamos alinhados e aposturados no meio de campo. Eu senti vontade de rir. Imaginava o centro da floresta amazônica, num dos lugares mais distantes que tu possa imaginar, numa vista aérea, lado a lado com os índios e o “brado retumbante” ecoando no espaço. Era surreal.

O jogo começou, muita raça, muita canelada e chutão pra frente, mas só alegria, não vi atrito algum entre os jogadores. Fiz um gol de cabeça e achei até sacanagem pela diferença de altura entre eu e os outros peladeiros. Acabamos perdendo o jogo, mas recebemos medalha cor de prata. Meu time me elegeu capitão (porque eu era “grandão”) para erguer o troféu de segundo lugar.

kike, out2012